segunda-feira, 11 de março de 2013

A matança dos inocentes [José Ângelo Gaiarsa]



Jeová não deve ser muito amigo de crianças. Creio, mesmo, em uma secreta cumplicidade entre Ele e Herodes, aquele que mandou matar todas as crianças com menos de dois anos quando lhe disseram que havia nascido um Grande Rei que o superaria.

Na Psicanálise de Freud o "infantil" em nós é mal visto e mal falado, sinônimo de neurótico, regressivo, irracional, imaturo e mais palavrões similares.

Chamar de "criança" ou "infantil" a pessoas adultas é ofensa universal, significando, em paralelo com Freud, irresponsável, ignorante, bobo.

No entanto, a criança, tanto a de verdade como a que sobrevive em nós, é a semente do possível - é o que pode se desenvolver, a promessa de tudo o que ainda não somos, mas poderemos vir a ser.

O "adulto" ou a "Personalidade Madura" - como diz Giovanni Papini - é um "homem acabado"; acabado, isto é, sem futuro, sem novidade, é alguém que já deu tudo o que tinha a dar - algo esgotado.

A criança interior funciona em nós, como o broto terminal nas plantas - a zona de crescimento contínuo.

A criança interior é, pois, muito importante e convém cultivá-la e ouvi-la, por mais tolas que suas manifestações possam parecer (para os adultos!).

A criança - tanto a de verdade como a interior - é o futuro no pressente.

A criança interior - em nós - responde por tudo o que dizemos de nós para nós mesmos: "que bobagem", "imagine!", "a gente pensa cada uma!"

Nossas bobagens são muito importantes para nós e mais vezes sim do que não será necessário vivê-las - ou nos esterilizamos em uma rotina vazia - no tédio do sempre igual.

Ai do adulto que nunca é criança!

A criança ainda não sabe distinguir o que é importante - aos olhos dos adultos. Ela ainda acha que aquilo que acontece uma só vez pode ser mais importante do que acontece muitas vezes.

Morrer, por exemplo.

Ela acha que o imprevisível é tão importante quanto o costumeiro - é até mais atraente (e assustador!). Chega ao cúmulo de considerar existentes as coisas sem lógica e de dar a essas coisas absurdas o mesmo valor dado às coisas sérias e razoáveis (para o adulto).

A criança é muito incômoda. Vive fazendo com que o adulto duvide de todas as suas verdades.

Muito mais fácil dizer "coisas de criança são bobagens".

A criança dá valores iguais ao contingente e ao necessário, leva igualmente a sério o transitório e o eterno, presta a mesma atenção ao universal e ao individual (até mais a este do que àquele).

Já se viu quantos despropósitos? Como é possível dar atenção às crianças?

Criança só pode mesmo dizer tolices e só pode mesmo ser ignorante - porque se ela não fosse, viria abaixo todo o fantástico mundo das certezas dos adultos.

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